Ao lado de inúmeras alterações e modificações nos sistemas de registros públicos promovidas pela Lei Federal nº 14.382/2022 de 27.06.2022 encontra-se o prestígio e o fortalecimento do princípio da concentração dos atos na matrícula imobiliária, segundo o qual “todas as ocorrências relevantes ao imóvel, ou aos titulares dos direitos reais, devem ser lançados na matrícula como forma de possibilitar a publicidade ampla e preservar interesses de terceiros” [1].
O citado princípio, embora tenha sido expressamente contemplado no ordenamento jurídico apenas com o advento da Lei Federal nº 13.097/2015 de 19.1.2015, há muito era aplicado e reconhecido pela mais abalizada doutrina e jurisprudência, tanto que o enunciado sumular nº 375 do STJ editado em 2009 já estabelecia que “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.”
A recente Lei 14.382/2022 fortaleceu e prestigiou o princípio da concentração dos atos na matrícula do imóvel ao incluir o §2º [2] ao artigo 54 da Lei 13.097/2015 para fazer constar que não é necessário apresentar certidões forenses ou de distribuidores judiciais ou, ainda, qualquer documento que não os previstos para lavratura de escrituras públicas [3] para a “validade ou eficácia dos negócios jurídicos […] ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real”.
Na verdade, o disposto no artigo 54 já não exigia qualquer outro documento que não a matrícula imobiliária sem qualquer anotação que pudesse fragilizar a operação imobiliária para afastar qualquer possibilidade de desconstituir o negócio sob alegação de fraude e má-fé do adquirente; na prática, contudo, se vê verdadeira inversão de ônus, eis que não raras as vezes em que o adquirente precisa demonstrar sua boa-fé, mediante, por exemplo, a realização de prévia due diligence imobiliária – antecedente obtenção de certidões forenses e outros documentos fiscais dos vendedores e do imóvel – e não o credor que se diz lesado demonstrar o vício na operação e a má-fé do adquirente.
Nesse diapasão, mostra-se acertada a opção do legislador e o fortalecimento do instituto, o que, em última análise, prestigia a segurança jurídica e a publicidade dos atos.
É certo que operações imobiliárias continuarão, como devem mesmo continuar, sendo precedidas de rigorosa análise documental dos envolvidos e do próprio imóvel a fim de se garantir a maior qualidade e higidez da operação. Isso porque, mesmo com a clareza da Lei, não se pode desconsiderar o desconforto e o prejuízo decorrentes de eventual citação do adquirente para defender a higidez das operações em ações judiciais, risco que pode ser evitado, mitigado ou ao menos previsto após eficiente e competente due diligence imobiliária.
[1] COUTO, Marcelo de Rezende Campos Marinho. A Lei 13.097/2015 e o princípio da concentração na matrícula. Disponível em <https://corimg.org/files/obra/A-LEI-13097-E-O-PRINCI-PIO-DA-CONCENTRAC-A-O-NA-MATRI-CULA.pdf>. Acesso em 30.8.2022.
[2] § 2º Para a validade ou eficácia dos negócios jurídicos a que se refere o caput deste artigo ou para a caracterização da boa-fé do terceiro adquirente de imóvel ou beneficiário de direito real, não serão exigidas:
I – a obtenção prévia de quaisquer documentos ou certidões além daqueles requeridos nos termos do § 2º do art. 1º da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985; e
II – a apresentação de certidões forenses ou de distribuidores judiciais.” (NR)
[3] Art. 1º, §2º da Lei Federal nº 7.433/1985: “O Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão intervivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição.”