O desrespeito do STJ ao precedente formado em repetitivo acerca da impossibilidade de fixação de honorários por equidade em causas de valores ‘elevados’

Ultimamente muito se fala da promulgação da Emenda Constituição nº 125/2020, que acresceu parágrafos ao artigo 105 da Constituição Federal criando novo requisito de admissibilidade do recurso especial [1].

 

À época da aprovação da PEC pela comissão especial da Câmara dos Deputados, o então Ministro Presidente do STJ, Humberto Martins, ressaltou a importância da proposta legislativa, destacando que “A aprovação da PEC contribui para a missão do tribunal e para todo o sistema de Justiça, pois possibilita ao STJ exercer de forma mais efetiva o seu verdadeiro papel de firmar teses jurídicas para uniformizar a aplicação das leis federais”.

 

Não obstante o denominado filtro da relevância recursal – como ficou conhecido o novel requisito de admissibilidade – seja de fato importante para fortalecer a função da Corte Superior de uniformizar o entendimento sobre a aplicação da Lei, há aspecto ainda mais importante para o ideal desempenho da principal atividade do STJ: o respeito aos precedentes judiciais formados.

 

Nesse diapasão, nenhuma justificativa há para a decisão tomada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça de afetar à Corte Especial os Recursos Especiais 1.824.564 e 1.743.330 que tratam, novamente, da questão da (im)possibilidade de fixação de honorários pelo critério da equidade nas ações em que o valor da causa, da condenação ou do proveito econômico são considerados elevados.

 

A Corte Especial do STJ já analisou a matéria em 16.3.2022 no julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos 1.850.512, 1.877.883, 1.906.623 e 1.906.618, ocasião em que firmou a seguinte tese:

 

  1. i) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados. É obrigatória nesses casos a observância dos percentuais previstos nos §§ 2º ou 3º do artigo 85 do CPC – a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
  2. ii) Apenas se admite arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo (Tema 1.076).

 

Em que pese o inconformismo da maioria dos integrantes da Terceira Turma do STJ, deve ser respeitado o que a Corte Especial decidiu no enfrentamento do Tema 1.076. A matéria foi amplamente discutida pelos Ministros e por toda a comunidade jurídica, não havendo qualquer alteração no cenário nacional (de ordem legislativa, social ou econômica) que justifique a revisão da tese firmada há menos de 9 (nove) meses.

 

Como bem se sabe, a não aplicação de precedentes judiciais somente pode ocorrer nas hipóteses de distinção e superação, sendo certo que, em qualquer dos casos, deve haver fundada justificativa que autorize a não utilização da ratio decidendi do precedente no caso concreto.

 

No caso da recente afetação pela Terceira Turma da matéria atinente à fixação dos honorários sucumbenciais por equidade, não há qualquer justificativa a autorizar a revisão – entenda-se, superação – do entendimento firmado pela Corte Especial. Absolutamente desnecessária qualquer perquirição, como defendido no citado julgamento da Terceira Turma, de ‘rever para ver se está certo, se está errado, se confirma ou não confirma aquela decisão [Tema 1.076]’. A Corte Especial sedimentou o entendimento sobre a matéria em 16.3.2022, entendimento este que, não obstante a pendência de recurso a ser julgado pelo STF, deve ser seguido pelos órgãos do STJ e pelos demais órgãos do Poder Judiciário hierarquicamente inferiores em caráter obrigatório, independentemente da convicção pessoal de cada julgador.

 

Espera-se que a Corte Especial mantenha a posição anteriormente adotada, não em razão do mérito da discussão de ser ou não possível a fixação por equidade [2], mas como consequência da necessidade de observância à força vinculante de seus próprios precedentes como forma de assegurar a previsibilidade das decisões judiciais e, em última análise, propiciar a segurança jurídica que se espera da Corte Especial.

 

[1] Sobre o tema: https://www.migalhas.com.br/depeso/370623/filtro-da-relevancia-dos-recursos-especiais

 

[2] Sobre o tema: https://www.migalhas.com.br/depeso/337594/fixacao-de-honorarios e https://www.migalhas.com.br/depeso/373097/o-desrespeito-ao-tema-1-076-do-stj-pelos-tribunais-estaduais