Responsabilidade por eventuais vícios construtivos do imóvel no contrato “built to suit” e consequente reparação de danos da parte inocente e de terceiros

O built to suit, em tradução literal “construído para vestir” ou “construído para servir”, é modalidade de negócio imobiliário em que um imóvel é construído/reformado para determinado negócio nos moldes solicitados pelo contratante, obrigando-se o proprietário a locar o imóvel ao contratante (locatário) por prazo certo e determinado, usualmente superior a 15 (quinze) anos.

 

Considerando-se a atipicidade do contrato built to suit [1] e consequentemente a incidência das normas do Código Civil e da Lei de Locações a essa modalidade contratual, imperativo perquirir a atribuição de responsabilidade por eventuais defeitos e vícios construtivos do imóvel, sendo certo que a obrigação de construir, por óbvio, antecede o efetivo início da locação.

 

Caso o contratante (locatário) apenas especifique que pretende a construção de imóvel com determinado número de andares, salas e espaço, ficando a critério do contratado (locador) – ou de terceiros por ele contratados – a elaboração dos projetos pertinentes, não há dúvida de que ele, contratado, perante o contratante e terceiros eventualmente prejudicados, responde pela higidez e qualidade da obra em qualquer situação, por força do disposto no artigo 22, IV da Lei de Locações.

 

Parece, contudo, que a regra da responsabilidade nas locações residenciais e comerciais regidas pela Lei de Locações não tem aplicação irrestrita e absoluta na seara dos contratos built to suit.

 

Basta imaginar a hipótese em que o contratante fornece os projetos construtivos e os materiais para estrito cumprimento pelo contratado, situação em que a aplicação da responsabilidade prevista na Lei de Locações não parece ser a melhor forma de resolução da controvérsia.

 

Nesse caso, considerando o caráter atípico do contrato built to suit que reclama a incidência não apenas da Lei de Locações, mas também do Código Civil, não se pode olvidar que a responsabilidade pela qualidade e higidez da obra recairá também sobre o contratante (locatário), com fundamento no disposto no artigo 612 do Código Civil, aplicável aos contratos de empreitada.

 

Isso porque, restando previsto contratualmente que o locatário oferecerá projetos, eventuais estudos e licenças, bem como materiais para a construção do imóvel encomendado, cabendo ao locador tão somente a execução dos serviços solicitados, mostra-se muito mais aconselhável a equiparação do locatário ao dono da obra para fins de responsabilização, determinando-se, na hipótese, a aplicação das normas do Código Civil em detrimento ao disposto na Lei de Locações.

 

Apesar do negócio imobiliário denominado built to suit não ser novo, o tema da responsabilidade aqui tratado ainda é pouco enfrentado pelo Poder Judiciário.

 

Caso interessante e que ainda está pendente de julgamento definitivo tramita perante o Foro da Comarca de São Roque. Nos autos da ação de rescisão cumulada com pedidos indenizatórios nº 1002160-08.2019.8.26.0586, da 2ª Vara Cível, proposta por Chokolah Indústria e Comércio de Produtos Alimentícios LTDA. contra Luiz Gonzaga Godinho, discute-se justamente a responsabilidade por eventuais vícios construtivos no imóvel encomendado.

 

Na casuística, a Autora narra que contratou a construção de uma fábrica na propriedade do Réu nos moldes por ela solicitados. Ocorre que, pouco após a entrega do imóvel e o início da locação, a fábrica simplesmente desabou. Diante da discordância das partes sobre quem teve culpa e seria responsável pela queda do imóvel, a Autora, antes da propositura da ação de rescisão mencionada, propôs ação de produção antecipada de provas a fim de viabilizar a apuração de vícios construtivos. E isso por uma razão: pelo o que se depreende dos autos, alguns projetos para construção foram entregues pela Autora (locatária) ao Réu (locador).

 

Nesse diapasão, caso a perícia realizada na produção antecipada de provas demonstrasse que foi o projeto fornecido pela Autora que acabou por comprometer a higidez da obra, certamente seria ela a integrante do polo passivo na ação de indenização, não obstante a previsão do disposto no artigo 22, IV da Lei de Locações. Nessa hipótese, a locatária seria equiparada ao dono de obra que fornece projeto e materiais e, assim sendo, responsável pelos vícios que não são de culpa imputável ao contratado (locador).

 

No caso narrado, todavia, a produção antecipada de provas demonstrou que houve falha na construção e emprego de materiais em dimensões diferentes daqueles previstos no projeto, que levaram ao colapso estrutural do imóvel, razão pela qual o contratado (locador) foi responsabilizado pelos danos sofridos.

 

Pelo exposto, conclui-se ser necessária uma análise casuística para fins de verificação e atribuição de responsabilidade por eventuais defeitos e vícios construtivos do imóvel no contrato built to suit, e consequentemente reparação de danos da parte inocente e de terceiros prejudicados, nos termos do Código Civil ou Lei de Locações, conforme o caso.

 

 

[1] Nesse sentido, leciona Fernanda Hennenberg Benemod: “São atípicos, pois a nosso ver, ainda não existe regulamentação específica razoavelmente completa para o tipo contratual, de tal modo que seja possível contratar por referência, sem que as partes tenham de clausurar o fundamento do contrato”. (Contratos Built to Suit, São Paulo: Almedina, 2013. p.110).